…Mas põe nas
mãos de África o pão que te sobeja
E da fome de Moçambique
dar-te-ei os restos da tua gula
E verás também
como te enche o nada que te restituo
Dos meus
banquetes de sobras.
Que para mim
Todo o pão que
me dás é tudo
O que tu rejeitas,
Europa!
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…Mas põe nas
mãos de África o pão que te sobeja
Devemos ter o cuidado de não confundir o pão neste
verso com o pão literal, antes, porém, ele deve ser tomado no seu sentido
simbólico. Quando um homem diz que não quer perder o seu pão, ele está usando a
palavra pão metaforicamente, querendo referir-se ao seu sustento não apenas de
alimento mas também de vestuário, habitação e bens de lazer como TV, Viatura,
etc.
Devido ao processo de industrialização, a produção
na Europa conheceu uma nova fase, que se caracteriza pela busca de mercados
para os excedentes da produção industrial e um desses mercados foi a África. Isso
começou a ser feito pela Europa, porém, depois, a Europa perdeu seu lugar nesse
comercio para os EUA e, agora, e a vez da China. Portanto, se no passado a
Europa colocou o pão que lhe sobrava nas mãos de África ao invés de abrir indústrias
no continente negro de modo a promover a substituição de importação do tal pão
sobrante, os EUA e a China também o fizeram e o tem feito, quer queiramos, quer
não.
A única diferença é que a Europa fê-lo no tempo da colonização
e a China o faz no âmbito das cooperações Sino-África, mas, no fundo, é a mesma
coisa, pois também a China inunda os mercados africanos de produtos provenientes
da China ao invés de abrir indústrias industrializantes em África.
E da fome de Moçambique
dar-te-ei os restos da tua gula
O facto de o poeta referir-se ao nome Moçambique
isso não quer dizer que a impressão que ele expressa nesse verso diga respeito
apenas a Moçambique. Ele usa o nome de Moçambique como uma metonímia de modo
que Moçambique, aqui, neste verso, é a parte que simboliza o todo que é, pois,
a África.
Nesse verso, o poeta traça um paralelo entre a fome
de Moçambique e a gula da Europa que também tem que ser tomado metonimicamente
como todos aqueles que na percepção do poeta são exploradores de África porque
como vimos anteriormente temos agora a China a desempenhar esse papel. O poeta
demonstra assim que a única via eficaz da África libertar-se dos “cães gulosos”
é ter a sua fome aplacada.
A fome, aqui, não é a fome literal mas as
necessidades com que a África se encontra abraços, as quais, na verdade, são
imensas e profundas. A gula pode representar a avidez de conquista territorial,
de uma zona de influência. Essa seria uma interpretação política. Porém, a
gula, aqui, também pode representar a avidez de maximização de lucro dos
grandes investimentos directos estrangeiros em África. Essa seria uma interpretação
económica.
Veja, a fome, o sentido literal, é uma sensação
desagradável que só pode ser aplacada pelo consumo de bens económicos supondo
que tudo que o homem consome tem um preço de modo que não há almoços grátis.
Enquanto isso, a gula, também no sentido literal, é um desejo desenfreado ou
concupiscente que consiste no excesso do comer. Deste modo, o poeta pode ter
usado o termo “gula” para tentar caracterizar a sociedade europeia como uma
sociedade de consumo, que é, na verdade, a característica primordial das
economias de mercado.
Ora, a fome é algo que tem a ver com o nosso corpo
enquanto a gula tem a ver com a nossa alma, não deixando, contudo, de ter um
efeito pernicioso sobre a saúde do nosso corpo.
Poderá, portanto, o poeta querer revelar com isso
que enquanto o problema da África era meramente um problema corporal que podia
facilmente ser resolvido pela economia, o problema da Europa, não era meramente
um problema económico, mas, no fundo, se tratava de um problema da própria alma
europeia que sucumbia as sensações concupiscentes do seu psiquismo inferior
colectivo.
E veras também
como te enche o nada que te restituo
Dos meus
banquetes de sobras.
A expressão “banquetes de sobras” é bastante
interessante. A palavra banquete nos remete a um ambiente de festa, de
contentamento, de júbilo, de satisfação, etc. Isso revela o estado de espírito
dos africanos ante as tais sobras de que fala o poeta. Ou seja, ao invés de ser
um estado de nostalgia, há um estado de regozijo.
Isso é tão verdade hoje que há uma luta desenfreada
entre os africanos na compra de tudo que é importado. Nos sentimos sobremodo
felizes ao termos um carro importado, um telemóvel importado, etc. Na verdade,
tudo que temos é importado e ficamos bastantes satisfeitos com isso, ou seja,
fazemos um enorme “banquete de sobras”.
Que para mim
Todo o pão que
me dás é tudo
O que tu
rejeitas, Europa!
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