quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

IMPRECAÇÃO

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…Mas põe nas mãos de África o pão que te sobeja

E da fome de Moçambique dar-te-ei os restos da tua gula

E verás também como te enche o nada que te restituo

Dos meus banquetes de sobras.

Que para mim

Todo o pão que me dás é tudo

O que tu rejeitas, Europa!


 Comentários:

…Mas põe nas mãos de África o pão que te sobeja

Devemos ter o cuidado de não confundir o pão neste verso com o pão literal, antes, porém, ele deve ser tomado no seu sentido simbólico. Quando um homem diz que não quer perder o seu pão, ele está usando a palavra pão metaforicamente, querendo referir-se ao seu sustento não apenas de alimento mas também de vestuário, habitação e bens de lazer como TV, Viatura, etc.

Devido ao processo de industrialização, a produção na Europa conheceu uma nova fase, que se caracteriza pela busca de mercados para os excedentes da produção industrial e um desses mercados foi a África. Isso começou a ser feito pela Europa, porém, depois, a Europa perdeu seu lugar nesse comercio para os EUA e, agora, e a vez da China. Portanto, se no passado a Europa colocou o pão que lhe sobrava nas mãos de África ao invés de abrir indústrias no continente negro de modo a promover a substituição de importação do tal pão sobrante, os EUA e a China também o fizeram e o tem feito, quer queiramos, quer não.

A única diferença é que a Europa fê-lo no tempo da colonização e a China o faz no âmbito das cooperações Sino-África, mas, no fundo, é a mesma coisa, pois também a China inunda os mercados africanos de produtos provenientes da China ao invés de abrir indústrias industrializantes em África.

E da fome de Moçambique dar-te-ei os restos da tua gula

O facto de o poeta referir-se ao nome Moçambique isso não quer dizer que a impressão que ele expressa nesse verso diga respeito apenas a Moçambique. Ele usa o nome de Moçambique como uma metonímia de modo que Moçambique, aqui, neste verso, é a parte que simboliza o todo que é, pois, a África.

Nesse verso, o poeta traça um paralelo entre a fome de Moçambique e a gula da Europa que também tem que ser tomado metonimicamente como todos aqueles que na percepção do poeta são exploradores de África porque como vimos anteriormente temos agora a China a desempenhar esse papel. O poeta demonstra assim que a única via eficaz da África libertar-se dos “cães gulosos” é ter a sua fome aplacada.

A fome, aqui, não é a fome literal mas as necessidades com que a África se encontra abraços, as quais, na verdade, são imensas e profundas. A gula pode representar a avidez de conquista territorial, de uma zona de influência. Essa seria uma interpretação política. Porém, a gula, aqui, também pode representar a avidez de maximização de lucro dos grandes investimentos directos estrangeiros em África. Essa seria uma interpretação económica.

Veja, a fome, o sentido literal, é uma sensação desagradável que só pode ser aplacada pelo consumo de bens económicos supondo que tudo que o homem consome tem um preço de modo que não há almoços grátis. Enquanto isso, a gula, também no sentido literal, é um desejo desenfreado ou concupiscente que consiste no excesso do comer. Deste modo, o poeta pode ter usado o termo “gula” para tentar caracterizar a sociedade europeia como uma sociedade de consumo, que é, na verdade, a característica primordial das economias de mercado.

Ora, a fome é algo que tem a ver com o nosso corpo enquanto a gula tem a ver com a nossa alma, não deixando, contudo, de ter um efeito pernicioso sobre a saúde do nosso corpo.

Poderá, portanto, o poeta querer revelar com isso que enquanto o problema da África era meramente um problema corporal que podia facilmente ser resolvido pela economia, o problema da Europa, não era meramente um problema económico, mas, no fundo, se tratava de um problema da própria alma europeia que sucumbia as sensações concupiscentes do seu psiquismo inferior colectivo.

E veras também como te enche o nada que te restituo

Dos meus banquetes de sobras.

A expressão “banquetes de sobras” é bastante interessante. A palavra banquete nos remete a um ambiente de festa, de contentamento, de júbilo, de satisfação, etc. Isso revela o estado de espírito dos africanos ante as tais sobras de que fala o poeta. Ou seja, ao invés de ser um estado de nostalgia, há um estado de regozijo.

Isso é tão verdade hoje que há uma luta desenfreada entre os africanos na compra de tudo que é importado. Nos sentimos sobremodo felizes ao termos um carro importado, um telemóvel importado, etc. Na verdade, tudo que temos é importado e ficamos bastantes satisfeitos com isso, ou seja, fazemos um enorme “banquete de sobras”.

Que para mim

Todo o pão que me dás é tudo

O que tu rejeitas, Europa!

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