A história, no
sentido de saber culto, é o registo de factos irrepetíveis. Quando o
historiador começa a registar factos que se repetem todos os dias, ele deixa de
ser um historiador para ser um sociólogo.
O que é história e o que é sociologia? Há alguma
semelhança entre eles? Comecemos examinando essas questões partindo do conceito
que encerram os temas história e sociologia.
Á palavra história tem sido dada o significado de
factos passados o que não deixa de ser tautológico porque a palavra facto já
traz no seu bojo a pressuposição do passado. Como todos sabemos, a palavra
facto vem de factum que significa
aquilo que começou a ser ou aquilo que aconteceu, que foi, o que,
indubitavelmente, nos remete ao passado.
Mutatis mutandis, será que todos os factos “passados”, são
históricos? Sem dúvida alguma. Porém, se todos os factos passados são
históricos, nem todos os factos passados são históricos no sentido da história
tomada como uma disciplina do saber culto. Por exemplo, o assassinato de um
guarda da G4S numa ATM e a deportação de Napoleão Bonaparte para a ilha de
Santa Helena são factos passados, porém, a deportação de Napoleão tem valor
histórico e o outro não o tem no sentido a que me referi acima.
Para um facto ser considerado histórico no sentido
da História tomada aqui como disciplina do saber culto não basta que ele se dê
porque factos se dão a cada minuto que passa. Para que seja histórico importa
que aquele facto seja irrepetível. Então, aqui está o critério, a pedra de
toque, para distinguirmos o que é histórico daquilo que não é histórico.
Poder-se-á objectar ao acima exposto dizendo-se que
a morte de um segurança da G4S numa ATM é única e, portanto, irrepetível. Ora,
isso ninguém pode negar porque aquele segurança tomado enquanto singularidade é
irrepetível. Porém, tomado como um tipo ele acontece todos os dias. Porém, a deportação
de Napoleão tomado tipologicamente não acontece todos os dias.
Isso não quer dizer que o que é repetível não é
importante como matéria de estudo. De modo nenhum. Enquanto a história atém-se
ao que é irrepetível, o que é repetível é captado por uma outra disciplina do
saber culto a qual é a sociologia.
O assassinato e a deportação em si não são
irrepetíveis. Eles são repetíveis quanto as voltas que a terra dá em torno do
seu próprio eixo. Agora, quer um, quer outro, são um produto da acção humana.
Tomemos o exemplo de um homicida. O homem tomado
atomisticamente, desconectado de outros homens, não pode ser um assassino, ou
seja, mesmo que haja dentro dele a potência do homicídio esta nunca irá se
actualizar mas permanecerá virtualizado nele. Somente estando conectado com
outros homens pode o homem ser um homicída do seu semelhante. Portanto, o
homicídio se dá em sociedade.
O homicídio é repetível na sociedade. Portanto, o homicídio
é um facto social assim como o é o aborto, o furto, a religião, enfim, tudo que
se repete cronotopicamente sem ser irrepetível no tempo. Porém, o assassinato
do Arquiduque Francisco Ferdinandes não é repetível e é a isso que chamamos
história.
Conforme dissemos acima, a história estuda os factos
passados e a palavra passado pressupõe o cronos,
o tempo. Então, sem tempo não há história. Portanto, a história é sucessão.
Onde há simultaneidade não temos história mas uma suspensão da mesma porque aí
não há factos que se sucedem uns aos outros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário