Do ponto de vista do sujeito, (a liberdade) é entendida como a possibilidade
de auto-determinação". Ora, se há possibilidade de autodeterminação, então, como pode ser que
a liberdade seja a negação de toda e qualquer determinação? Então, temos aqui
uma contradição pois aquilo de que se afirma universalidade se nega sua
simultânea particularidade porque a autodeterminação é determinação, uma determinação
por si, da estrutura tectónica do sujeito.
Continuando "ausência de interferência, libertação de impedimento, realização
de necessidades". Ora, a ausência de interferência nos entes do
contexto beta é impossível. Isso só o ser supremo pode realizar. É impossível
sermos cem por cento independentes de modo que sempre e em toda parte sofreremos
interferência da sociedade, do cosmos, dos factores biológicos, psicológicos,
etc., que herdamos dos nossos antepassados, etc.
Agora, no que tange a realização de
necessidades, importa primeiro dar o conceito que temos de necessidade.
Conforme definido por Mário Ferreira dos Santos, "a necessidade é a
impossibilidade da não possibilidade, ou seja, é a negação do NÃO". A
impossibilidade é a afirmação da contradição formal intrínseca como já tivemos ocasião
de expor. Então, a negação dessa contradição formal intrínseca é o que chamamos
de necessidade. A necessidade de alguma coisa implica a realidade de alguma
coisa. A realidade de alguma coisa implica a possibilidade de alguma coisa e a
possibilidade de alguma coisa implica a necessidade de alguma coisa.
Na definição que estamos considerando,
o termo necessidade está sendo tomado no seu aspecto económico. Na famosa pirâmide
de Maslow temos sete tipos de necessidades que vão desde as necessidades
fisiológicas até a auto-realização. Quando um consumidor consome uma coca-cola
diz-se que ele está satisfazendo uma necessidade fisiológica. Não apenas
fisiológica mas também económica porque ele serviu-se de um bem-económico para
satisfazer aquela necessidade de modo que as necessidades económicas são
aquelas que são satisfeitas com o consumo de bens económicos. Como todas as
outras, essa visão de liberdade também é muito abstracta.
"Direcção prática para uma meta,
propriedade de alguns actos psicológicos, ideal de maturidade, autonomia
sapiencial e ética, razão de ser da própria moralidade". Ora, a direcção
prática para uma meta é sempre o axioantropológico. Sabemos que a praticidade humana,
a dramaticidade humana é conduzida pelo axio
do certo e do errado, correspondendo o certo a aquilo que ao homem parece conveniente
e o errado a aquilo que ao homem parece inconveniente. Agora, a meta da
praticidade é atingir o certo, o conveniente.
A propriedade de alguns actos
psicológicos já foi por nós analisado. Na verdade, não se pode negar que nem
todos os actos psicológicos são da espécie do mesmo género e que há actos
psicológicos que são próprios de cada indivíduo. Sabemos que o objecto da psicologia
é o pensar. Não devemos confundir isso com o objecto de estudo da lógica que é
o pensamento. Pensar é acto. Enquanto podemos pensar um pensamento
irrepetidamente, o pensamento enquanto tal não se modifica a cada acto de
pensar.
Num mundo dominado pelas ideologias
de massa e técnicas de manipulação psicológica como exposta por Pascal Bernadin
em "O Maquiavel Pedagogo" como as técnicas de pé na porta e porta na
cara, a propriedade dos actos psicológicos tem sido cada vez uma raridade. O
comum é as pessoas expressarem emoções colectivas, repetirem slogans, chavões, topoi com o fervor de quem repete um mantra sagrado e agir sob a influência
do espírito de manada no estilo da "rebelião das massas" de Ortega y
Gasset e pensarem que elas estão fazendo isso porque decidiram fazer isso
quando, na verdade, não passam de bonecos de ventríloquo.
Ideal de maturidade? Ora, há uma expressão
de Aristóteles que é "spoudaios". Spoudaios é o homem que atingiu a
maturidade ética. Agora, a ética cabe no âmbito da filosofia especulativa que é
aquela que procura alcançar a juízos sólidos e universais como os juízos de
veracidade e falsidade. Um ideal de maturidade não seria aquilo que comumente
as pessoas imaginam, muito pelo contrário, ele seria, tomado no seu sentido
platónico, uma intelectualização da maturidade. Pela intelectualização do que
da maturidade se predica propriamente o homem chega a alcançar a pouco e pouco
o ideal de maturidade.
"Autonomia sapiencial"?
Essa expressão é contraditória porque a sapiência implica um aprendizado e
aprendizado implica uma educação. O termo educação vem de ex ducere que quer dizer conduzir para fora o que implica, por seu
turno, a existência de um condutor e de um conduzido de modo que ninguém pode
conduzir-se a si mesmo das trevas da ignorância para a luz da sapiência a não
ser no sentido meramente paródico do barão de Mochausen que se conduzia para
fora do lamaçal puxando-se pelos próprios cabelos.
Não podemos confundir conhecimento
com sabedoria. A sabedoria é o fim da filosofia. Ela é a ciência das coisas
divinas como diziam os escolásticos. Enquanto isso, o conhecimento requer o uso
da luz natural da nossa razão de modo que a fonte e origem da sabedoria é o próprio
Deus, o ser supremo dos filósofos, e não o homem. Eu não posso ser
auto-sapiente. Para isso eu teria que ser um Robson Crusoé nascido numa ilha e
sozinho ir aprendendo o alfabeto, a aritmética, a geometria, a física quântica.
Isso é humanamente impossível, de modo que essa ideia da liberdade como
auto-sapiência é uma das ideias mais cretinas que já passou pelo cérebro humano
porque ela sugere ao homem ignorar tudo quanto foi criado pelos espíritos mais
acutilantes da sua espécie no seu ciclo cultural e no ciclo cultural universal.
O saber não se faz por amputação mas por acumulação.
"Razão de ser da própria
moralidade". A moralidade tem a ver com a praticidade humana, com a
dramaticidade humana, de modo que a moralidade tal como dizia Nietzsche é fruto
dos hábitos e dos costumes. Não há uma moralidade que seja propriedade um indivíduo.
A moralidade é um produto colectivo. Houve um tempo em que era imoral uma
mulher andar com os joelhos descobertos, hoje em dia as mulheres andarem nuas
pelas ruas se tornou padrão de moralidade. Isso acontece não por culpa da própria
moralidade mas porque os homens, ao longo dos tempos, procuraram fundar a sua
moralidade em juízos assertóricos ao invés de fundarem-na em juízos apodíticos.
Se os homens entendessem bem o que é
a ética e os valores que ela procura alcançar não padeceriam da confusão de que
padecem como é o caso da confusão de defender a moralidade do canibalismo de
certas tribos. Pode ser que essa prática naquela tribo convenha a seus
interesses e que, portanto, seja uma prática certa, uma prática não desviante,
porém, isso acontece assim porque ela se funda num fundamento particular e
abstracto mas se os homens pudessem fundar a sua moral em fundamentos positivos
e concretos, em fundamentos universais e concretos, eles evitariam essa
confusão, transcendendo da confusão do seu ciclo cultural provinciano, tribal
para atingir aos arcaicos, aos arquétipos, aos logoi da moralidade, uma moralidade bem assente, bem fundada.
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