O sucesso na
universidade mede-se pelas notas que um aluno consegue obter em cada disciplina
e não pela compreensão que ele tem da matéria. Assim, o sucesso em tal ambiente
está reservado aos indivíduos que souberem decorar ou cabular bem nas fichas
disponibilizadas pelos docentes.
Fiz a minha licenciatura na Faculdade de Economia da
Universidade Eduardo Mondlane. Eu me lembro que quando eu estava ainda a fazer
o nível médio eu dizia para meus colegas: quando eu for para a Universidade é
para saber. Eu quero saber. Contudo, qual não foi a minha desilusão quando lá
cheguei e fiz o curso inteiro.
Eu acabei descobrindo que se você quer ter sucesso
na Universidade, tudo que você deve fazer é esquecer seu cérebro em casa e se
portar como um pen drive de modo a
gravar tudo que os docentes lhe disserem. Aliás, na Universidade, o que os
professores dizem pouco conta, o que conta são os textos de apoio, as famosas
fichas. De modo que quem decorar as fichas que os docentes disponibilizam quer
em formato físico, quer em formato electrónico vai, sem sombra de dúvida, se
destacar no meio dos seus correligionários.
Se você quiser se dedicar a leitura de livros na
faculdade e querer entender as coisas, você vai acabar sendo um aluno com notas
fracas como as que eu tive. Contudo, não nutro nenhum tipo de arrependimento ou
ressentimento pelo facto de ter tido notas fracas, digo isso pelo simples facto
de que ter notas fracas não é nenhuma transgressão seja das leis cíveis seja
das leis criminais de modo que se eu voltasse para a faculdade hoje faria tudo
de novo.
Infelizmente, nessa fase grave da história da
humanidade em que nos encontramos a inteligência tem sido confundida com a
capacidade operacional que é, na verdade, a única coisa mensurável pelos testes
de Q.I. No fundo, poucas pessoas são inteligentes. Isso não quer dizer negar a
racionalidade a uns e afirmá-la em outros. De modo nenhum. A inteligência é
racional mas não totalmente racional.
Para desfazer essa confusão vamos dizer o seguinte:
a razão é um conjunto ou sistema de algo mais que a simples inteligência. A
razão inclui a sensação, a vitalidade e a inteligência de modo que você pode
ser racional, i.e., ter o senso das proporções mas não ser inteligente. A
inteligência vem de inter lec, quer
dizer, escolher entre. A inteligência é essa faculdade de escolher entre a
substância e os seus inúmeros acidentes, o que significa a capacidade de
encontrar a verdade e não a capacidade operacional porque isso até os
computadores têm. Essa capacidade operacional é o que se chama de inteligência
artificial que no fundo não passa de uma mera figura de linguagem, quer dizer,
uma impressão que você tem diante das operações feitas pelas máquinas. Como
elas imitam, são uma mimesis da
inteligência, então, diz-se que se trata de uma inteligência artificial.
Infelizmente, o nosso sistema de ensino, não somente
aqui mas em todo mundo quer medir o Q.I das pessoas por meio de provas
elaboradas por professores que, quando você vai ver, nem sequer estão
qualificados para serem baby-sitters.
E eu não falo de qualificação em termos de diplomas universitários porque isso
é de menos mas qualificado em termos de conhecimentos para transmitir aos seus
alunos.
Hoje em dia, o diploma substituiu o verdadeiro conhecimento.
Hoje em dia, as pessoas não precisam saber nada de economia para serem
professores de economia, basta ter um diploma e com notas muito altas que ele
se qualifica logo. Porém, quando você tenta discutir com essas pessoas na sua
própria área de formação você descobre, com desgosto depois de cinco minutos de
diálogo, que esse diálogo é impossível, que é como você colocar Niels Bohr a discutir física quântica
com uma criança de cinco anos.
Não sou contra decorar. Porém, porquê é que você decora
uma ficha ao invés de estudá-la de modo a entendê-la? Poderíamos levantar aqui
muitas hipóteses e dizer que é por preguiça mental, que não há tempo, etc. Porém,
quando isso não apenas acontece num lugar isolado mas vai se repetindo em toda
sua forma e universalidade descobrimos que estamos perante um facto
sociológico.
As pessoas decoram porque os professores colocam a reprodução
ipsis verbis do que está na ficha
acima do entendimento que se deve ter do conteúdo fichado. Então, os alunos só
estão dando aos professores o que esses prezam. Resultado: temos uma cultura de
fichário. Quando se tem uma cultura dessas você abdicou do privilégio de pensar
e tudo que você vai fazer dali para diante é apenas repetir, é apenas ser um
Pinóquio. Essa não é a vida de um homem de estudo. Essa é a vida de um cabo
eleitoral.
Tolera-se o ensinar ás crianças no ensino fundamental
a decorar isso e aquilo mas fazer isso no ensino superior é infantilizar todo
mundo. É das crianças decorar mas é do homem adulto pensar.
A universidade que deveria ser o lugar de batalha
das mentes acabou se tornando, neste país, numa espécie de seita cujo fim último
é o culto do professor e da própria instituição. É incrível como alguns alunos
se referem a seus professores na universidade com aquele temor reverencial e
admiração própria de um devoto ante sua divindade. Quem nunca presenciou esse
culto autolátrico?
Outra faceta da questão é a guerra entre
universidades. Se fosse guerra por conhecimento ainda valia a pena. Quem nunca
presenciou o desprezo com o qual se dirigem os estudantes da UEM aos estudantes
das outras universidades, incluindo a UP como se a UEM fosse alguma coisa? Se
fosse Oxford, Harvard, MIT, Cambridge, quem sabe não se poderia abrir uma
concessão. Mas UEM? O que é isso, meu Deus do céu? Não adianta falar em auto-estima,
isso não tem nada a ver com auto-estima. Tem a ver com ter senso de proporções.
Na cultura, e a universidade é o reflexo dela,
sempre comparamos as culturas provincianas com a cultura universal para ver que
contributo aquilo que é provinciano deu para aquilo que é universal. Aliás,
quando contribui para aquilo que é universal é porque transcendeu a sua condição
provinciana e já não é mais provinciana. Um escritor que queira se comparar com
Paulina Chiziane, Mia Couto, Ungulani Baka Kossa é de mentalidade provinciana
sim e sempre vai escrever nos limites do seu provincianismo. O que esse
escritor deveria fazer é se comparar com os maiores escritores da literatura
universal, escritores que transcenderam a sua condição de provinciano e que já
não mais pertencem a sua cultura e ao seu tempo mas a todas as culturas e a
todos os tempos como Dostoieviski, Jacob Wassermann, etc. Mas as pessoas se
comparam com Paulina Chiziane e se dão por satisfeitas.
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