sábado, 10 de fevereiro de 2018

Memórias de um estudante

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O sucesso na universidade mede-se pelas notas que um aluno consegue obter em cada disciplina e não pela compreensão que ele tem da matéria. Assim, o sucesso em tal ambiente está reservado aos indivíduos que souberem decorar ou cabular bem nas fichas disponibilizadas pelos docentes.


Fiz a minha licenciatura na Faculdade de Economia da Universidade Eduardo Mondlane. Eu me lembro que quando eu estava ainda a fazer o nível médio eu dizia para meus colegas: quando eu for para a Universidade é para saber. Eu quero saber. Contudo, qual não foi a minha desilusão quando lá cheguei e fiz o curso inteiro.

Eu acabei descobrindo que se você quer ter sucesso na Universidade, tudo que você deve fazer é esquecer seu cérebro em casa e se portar como um pen drive de modo a gravar tudo que os docentes lhe disserem. Aliás, na Universidade, o que os professores dizem pouco conta, o que conta são os textos de apoio, as famosas fichas. De modo que quem decorar as fichas que os docentes disponibilizam quer em formato físico, quer em formato electrónico vai, sem sombra de dúvida, se destacar no meio dos seus correligionários.

Se você quiser se dedicar a leitura de livros na faculdade e querer entender as coisas, você vai acabar sendo um aluno com notas fracas como as que eu tive. Contudo, não nutro nenhum tipo de arrependimento ou ressentimento pelo facto de ter tido notas fracas, digo isso pelo simples facto de que ter notas fracas não é nenhuma transgressão seja das leis cíveis seja das leis criminais de modo que se eu voltasse para a faculdade hoje faria tudo de novo.

Infelizmente, nessa fase grave da história da humanidade em que nos encontramos a inteligência tem sido confundida com a capacidade operacional que é, na verdade, a única coisa mensurável pelos testes de Q.I. No fundo, poucas pessoas são inteligentes. Isso não quer dizer negar a racionalidade a uns e afirmá-la em outros. De modo nenhum. A inteligência é racional mas não totalmente racional.

Para desfazer essa confusão vamos dizer o seguinte: a razão é um conjunto ou sistema de algo mais que a simples inteligência. A razão inclui a sensação, a vitalidade e a inteligência de modo que você pode ser racional, i.e., ter o senso das proporções mas não ser inteligente. A inteligência vem de inter lec, quer dizer, escolher entre. A inteligência é essa faculdade de escolher entre a substância e os seus inúmeros acidentes, o que significa a capacidade de encontrar a verdade e não a capacidade operacional porque isso até os computadores têm. Essa capacidade operacional é o que se chama de inteligência artificial que no fundo não passa de uma mera figura de linguagem, quer dizer, uma impressão que você tem diante das operações feitas pelas máquinas. Como elas imitam, são uma mimesis da inteligência, então, diz-se que se trata de uma inteligência artificial.

Infelizmente, o nosso sistema de ensino, não somente aqui mas em todo mundo quer medir o Q.I das pessoas por meio de provas elaboradas por professores que, quando você vai ver, nem sequer estão qualificados para serem baby-sitters. E eu não falo de qualificação em termos de diplomas universitários porque isso é de menos mas qualificado em termos de conhecimentos para transmitir aos seus alunos.

Hoje em dia, o diploma substituiu o verdadeiro conhecimento. Hoje em dia, as pessoas não precisam saber nada de economia para serem professores de economia, basta ter um diploma e com notas muito altas que ele se qualifica logo. Porém, quando você tenta discutir com essas pessoas na sua própria área de formação você descobre, com desgosto depois de cinco minutos de diálogo, que esse diálogo é impossível, que é como você colocar Niels Bohr a discutir física quântica com uma criança de cinco anos.

Não sou contra decorar. Porém, porquê é que você decora uma ficha ao invés de estudá-la de modo a entendê-la? Poderíamos levantar aqui muitas hipóteses e dizer que é por preguiça mental, que não há tempo, etc. Porém, quando isso não apenas acontece num lugar isolado mas vai se repetindo em toda sua forma e universalidade descobrimos que estamos perante um facto sociológico.

As pessoas decoram porque os professores colocam a reprodução ipsis verbis do que está na ficha acima do entendimento que se deve ter do conteúdo fichado. Então, os alunos só estão dando aos professores o que esses prezam. Resultado: temos uma cultura de fichário. Quando se tem uma cultura dessas você abdicou do privilégio de pensar e tudo que você vai fazer dali para diante é apenas repetir, é apenas ser um Pinóquio. Essa não é a vida de um homem de estudo. Essa é a vida de um cabo eleitoral.

Tolera-se o ensinar ás crianças no ensino fundamental a decorar isso e aquilo mas fazer isso no ensino superior é infantilizar todo mundo. É das crianças decorar mas é do homem adulto pensar.

A universidade que deveria ser o lugar de batalha das mentes acabou se tornando, neste país, numa espécie de seita cujo fim último é o culto do professor e da própria instituição. É incrível como alguns alunos se referem a seus professores na universidade com aquele temor reverencial e admiração própria de um devoto ante sua divindade. Quem nunca presenciou esse culto autolátrico?

Outra faceta da questão é a guerra entre universidades. Se fosse guerra por conhecimento ainda valia a pena. Quem nunca presenciou o desprezo com o qual se dirigem os estudantes da UEM aos estudantes das outras universidades, incluindo a UP como se a UEM fosse alguma coisa? Se fosse Oxford, Harvard, MIT, Cambridge, quem sabe não se poderia abrir uma concessão. Mas UEM? O que é isso, meu Deus do céu? Não adianta falar em auto-estima, isso não tem nada a ver com auto-estima. Tem a ver com ter senso de proporções.

Na cultura, e a universidade é o reflexo dela, sempre comparamos as culturas provincianas com a cultura universal para ver que contributo aquilo que é provinciano deu para aquilo que é universal. Aliás, quando contribui para aquilo que é universal é porque transcendeu a sua condição provinciana e já não é mais provinciana. Um escritor que queira se comparar com Paulina Chiziane, Mia Couto, Ungulani Baka Kossa é de mentalidade provinciana sim e sempre vai escrever nos limites do seu provincianismo. O que esse escritor deveria fazer é se comparar com os maiores escritores da literatura universal, escritores que transcenderam a sua condição de provinciano e que já não mais pertencem a sua cultura e ao seu tempo mas a todas as culturas e a todos os tempos como Dostoieviski, Jacob Wassermann, etc. Mas as pessoas se comparam com Paulina Chiziane e se dão por satisfeitas.

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