Não há
sabedoria, ou seja, a participação (metéxis) nas coisas divinas sem um esforço
ascético capaz de elevar o homem do seu baixo psiquismo para o que de mais
elevado nele existe que é seu intelecto. É por meio da ascese que o homem
realiza a sua tímesis parabólica.
Leonardo da Vinci disse que “a sabedoria é uma
mercadoria que Deus vende aos homens mediante um preço chamado esforço” (vide
A.D.Sertillange, in La vie intelectuelle).
O termo esforço, aqui, não se refere ao esforço no sentido físico. O esforço,
aqui, quer dizer ascetismo. O mesmo se pode dizer da jihad. As pessoas interpretam a jihad
como guerra santa. Não está errado, porém, a jihad é guerra santa no sentido de esforço seja ele exotérico (jihad menor), seja ele esotérico (jihad maior). A jihad quer dizer esforço mas esse esforço é ascetismo tal como o
esforço de Davinci.
Então, o que seria ascetismo? Ascetismo vem de
ascese que quer dizer exercício mental. Infelizmente, muitas pessoas só
conhecem os exercícios físicos e não sabem que existem outros tipos de
exercícios. Para além dos exercícios físicos temos os exercícios mentais e os
exercícios espirituais.
Os exercícios físicos são aqueles que afectam o
nosso corpo. Quando corremos, quando fazemos flexões, quando carregamos um
peso, quando saltamos uma corda, quando fazemos abdominais, etc., estamos a
fazer exercícios físicos. Com base nos exercícios físicos podemos ter pernas,
braços, abdómenes, etc., fortes. Os exercícios físicos tendem para duas
finalidades. A primeira finalidade é ter um corpo são e a segunda finalidade é
mais estética, portanto, ter um corpo mais belo.
Os exercícios mentais afectam a alma do homem. O que
em psicologia se chama de mente, os teólogos chamam de alma. A própria palavra
psique não tem o sentido original usado por Freud. Freud usou a expressão seele. Seele quer dizer alma. Porém, essa
palavra foi erroneamente traduzida para psique. Seja como for, os exercícios
mentais, exercícios da alma é tudo mesma coisa.
Sabemos que a mente tem como função: a) a imaginação,
b) o raciocínio e c) a memória. Então, os exercícios mentais são aqueles que
visam a saúde e beleza mental, o que significa o aguçar da imaginação, do
raciocínio e o fortalecimento da memória.
Para aguçarmos a nossa imaginação nada melhor do que
a leitura das obras de ficção. Muitas pessoas não sabem ler as obras de ficção.
Já fizemos questão de expor em muitos dos nossos artigos que a literatura de ficção
ou de imaginação deve ser lida como uma matriz de mundos possíveis. Então, não
é apenas uma questão de ler no sentido jornalístico do termo. É ler nesse
sentido e depois repetir imaginativamente aquela experiência.
Para aguçarmos a nossa memória temos primeiro que
saber o que é memória. A memória é a retenção do tempo. Hoje em dia há nas
farmácias muitos remédios para melhorar a memória e coisas tais. Não
aconselhamos o uso de tais recursos a não ser naqueles casos em que o problema
de memória que um individuo possa ter seja patológico, o que não é o caso de
que estamos tratando aqui neste artigo. Os livros sobre métodos de estudo falam
bastante de uso de mind maps, mapas
mentais para construir ou reforçar a memória.
No que tange ao raciocínio, sabemos que ele é um
discurso em três etapas, sendo o silogismo um dos exemplos mais notórios de
raciocínio por meio do qual passamos de um conhecimento dado como autoprobante,
como per se nota, para um outro. Então,
tem que haver, certamente, um exercício para fortalecer o nosso raciocínio e
esse exercício é a meditação. Portanto, não basta apenas ler é preciso meditar.
Tomando a meditação num sentido especulativo, temos a contemplação que é o que
vai permitir que consigamos dar aos juízos da nossa mente uma conexão que lhes
dê a sua devida coerência tensional, concrecionando-os.
Então, estamos dizendo que os exercícios mentais são
a prática da imaginação e da meditação. Pode ser que existam outros. Não
podemos negar. O facto desses outros não terem sido mencionados aqui não
significa que eles não os há.
Depois disso temos também os exercícios espirituais.
Esses são aqueles que incidem no nosso espírito. No nosso intelecto.
No cristianismo encontramos os seguintes exercícios
espirituais principais:
1) Oração
2) Jejum
3) Meditação
4) Caridade
A oração, em poucas palavras, significa falar com
Deus, conversar com Deus, dialogar com Deus. Se podemos conversar com Deus, logo,
Deus tem que ser necessariamente uma pessoa. Então, a oração implica que o orador
seja um teísta. Um deísta nega o valor da oração porque para ele deus não é uma
pessoa mas uma força impessoal da natureza. Não se pode travar um diálogo com
uma força mas apenas com uma pessoa inteligente. O agnóstico não sabe se Deus
existe ou se não existe. Ele tem dúvidas acerca da existência de Deus. Ele pode
orar assim como pode não orar mas sua oração também não tem valor nenhum porque
a oração exige fé. O que é fé, fidus?
É certeza. O que é certeza? É a firme adesão da mente a verdade sem temor de
erro. Qual é o fundamento da certeza? É a evidência.
O agnóstico não tem fé, não tem certeza. Ele tem dúvida.
Então, ele pode até aderir a ideia da existência de Deus mas ele sempre terá um
temor de que aquilo seja falso. O ateu não pode orar porque para ele Deus não
existe. Então, a oração como exercício espiritual é apenas ou tem valor apenas
para aquele que crê num ser supremo pessoal.
Muitas pessoas encaram a oração apenas como um meio
pelo qual nós pedimos a Deus aquilo que nós queremos. Não nego que a oração
seja isso, porém, nego que ela seja apenas isso. Sendo a oração uma conversa
não podemos imaginar que uma pessoa se sentiria muito a vontade conversando com
alguém que apenas quer pedir alguma coisa.
O jejum, por seu turno, tem sido encarado apenas
como abster-se de tomar alguma refeição. Porém, encontramos no livro de Isaías,
o profeta, trechos em que Deus fala de um jejum que consiste em quebrar as
ataduras da impiedade. Então, tem um jejum físico que actua sobre o corpo mas
também tem um jejum que actua sobre a mente do homem. O jejum tem uma função
purificadora. No jejum o nosso corpo liberta-se das toxinas que estão na origem
de muitas doenças. Porém, o jejum também acalma a nossa mente, a nossa alma tal
como o faz a oração.
A meditação também acalma a nossa alma. Há vários
tipos de meditação. Muitos concebem a meditação como apenas ficar naquela posição
búdica da flor de Lotus e não pensar em nada. Porém, isso é apenas de um grau
porque há meditações de outros graus como a meditação por temas porque, na
verdade, meditar é pensar. Pensar não tem a ver com lógica mas com psicologia.
E pensar é sempre acto e nunca potência. Cada acto de pensar sobre um
pensamento X é um acto diferente, irrepetível.
Hannah Arendt diz que pensar é travar um diálogo
silencioso consigo mesmo. Este era o pensamento grego acerca do pensar. Isso
implica você montar uma discussão dialéctica dentro de você mesmo de acordo com
as regras enunciadas por Sócrates e assegurar uma permanente fiscalização das
etapas percorridas. Então, o método pedagógico é o mesmo que se usa para a formação
da alma individual. Quando lemos a suma teológica de Tomás de Aquino vemos essa
discussão dialéctica montada dentro da alma do próprio Dr. Angélico.
Há também a confissão. A confissão tem um efeito
catártico. Segundo Aristóteles a catarse é a purificação da alma que consiste
numa descarga emocional por meio do drama. O drama é toda existência humana.
Quando você lê um romance, acontece essa catarse. A leitura do romance tem um
efeito catártico. O romance é um drama. Quando um indivíduo peca contra Deus
ele tem que confessar isso para Deus. Quando ele peca contra seu semelhante ele
tem que confessar isso ao seu semelhante e quando ele peca contra si mesmo ele
tem que confessar isso para si mesmo.
A ideia de confissão no mundo moderno se tornou tão
estranha. Se é tão difícil confessar para o outro, imagine só a ideia de você
ter que confessar para si mesmo. Quando o homem deixa de se confessar para
Deus, ele constrói uma barreira entre ele e o fundamento último da realidade
que é Deus. Quando ele deixa de confessar ao seu semelhante ele constrói um
murro entre ele e o seu semelhante e quando ele deixa de confessar para si próprio
ele constrói uma barreira entre ele e ele mesmo. Ora, a confissão é justamente
para quebrar essa barreira e devolver ao indivíduo a sua própria voz de modo
que não haja barreira entre ele e ele mesmo.
A confissão não cura apenas os males da alma. Ela
também cura os males físicos. Então, há dois tipos de confissão. Há a confissão
dos pecados que nós cometemos contra Deus, o semelhante e nós mesmos. Há também
a confissão da nossa fé. A confissão da nossa fé é aquela que fazemos quando
estamos diante de ataques demoníacos quer em forma de doenças, problemas
financeiros, perigos de salteadores, tempestades, inimigos da fé, etc. Por
exemplo, quando um crente está doente e ele diz para a doença, para o diabo:
“está escrito: pelas pisaduras de Jesus Cristo eu fui sarado”, isso é uma
confissão de fé porque ela implica a confissão de S.Pedro de que Jesus é o
Cristo o filho de Deus. E isso pode ter resultados assombrosos sobre a pessoa
como ver-se ela curada da sua doença.
Muitos negam esse poder da confissão. Porém, não
adianta exibir esse espírito porque se alguém nega o poder da confissão há
outros milhões que reconhecem esse poder porque são beneficiados por ele todos
os dias. Quando nós falamos do eu, isso é bastante interessante porque o eu não
é uma partícula da matéria, o eu é um poder que o ser humano exerce. De modo
que nós podemos ser o que nós quisermos desde que exerçamos esse poder, essa
possibilidade concreta de acção e uma das formas de fazer isso é por meio da
confissão.
No mundo moderno com o predomínio do tipo social de
empresário utilitário que está mais preocupado em amealhar lucro, a confissão
que é mais do tipo social psicológico hierático tem perdido a sua força desde o
advento do espírito aristocrático que veio desembocar no tipo de empresário utilitário
que, por sua vez, desemboca no tipo social mais baixo que é o tipo do homem
servidor.
Tendo rejeitado a confissão o homem só conseguiu
transformar a si mesmo num tipo neurótico. A neurose é o grande problema
psíquico do nosso tempo. O psicólogo Juan César Muller, psicólogo argentino,
dizia que a neurose é uma mentira esquecida na qual você ainda acredita. Quando
você vê mulheres magras fazerem cirurgias atrás de cirurgias, dietas atrás de
dietas, para emagrecer, é claro que elas estão acreditando numa mentira
esquecida. Porque é que elas esqueceram? Porque elas ouviram repetidamente a
mesma mentira de modo que acabou se tornando numa espécie de verdade para elas.
Quer dizer, é aquela táctica de Joseph Gobblen da mentira repetida que se torna
verdade. Não é que a mentira repetida se torna verdade, ela se torna numa
neurose colectiva, isso sim. Quando você vê jovens na flor da idade dizerem que
são sexualmente impotentes é claro que eles foram tomados pela neurose.
Qual é a causa da neurose? Muitos dizem que ela se
deve ao stress da vida moderna. Que a
vida moderna é estressante isso ninguém pode negar, porém ainda assim nem todo
mundo é neurótico a despeito de vivera nesta era moderna ou pós moderna como
queiram.
Freud dizia que a causa da neurose é de origem
sexual. Ele fala de desejos sexuais reprimidos. A teoria de Freud se baseia no
mito de Édipo que ele foi buscar em Sófocles. Naquele conto épico de Sófocles,
Édipo é um personagem que mata seu próprio pai e desposa sua própria mãe em
cumprimento de um oráculo de Delfos. Então, com base nisso, Freud conclui que
na sua infância o homem tem um amor para com sua mãe e um ódio para com seu pai
e que aí está a causa da sua neurose. Lipot Szondi não toma isso a sério e diz
que a causa da neurose é de origem religiosa e ele fala em complexo de Caim ao
invés de em complexo de Édipo e essa visão de lipot Szondi é a mesma defendida
por C.G.Jung.
Então, a neurose pode ter uma causa sexual e também
uma causa religiosa se bem que essas duas causas são únicas e a mesma causa
porque a religiosidade está impregnada de símbolos sexuais e a sexualidade está
impregnada de símbolos religiosos. O sol e a lua nas religiões são símbolos da
divindade mas também são símbolos sexuais. O sol representa a divindade
masculina como Osíris no Egipto e a lua a divindade feminina como Ísis. O que
temos na sexualidade é apenasmente uma representação em carácter simbólico dos
princípios activos e passivos, o yin
e yang dos chineses conforme lemos no
I-Ching.
Contudo, isso não significa que diante de uma
neurose temos logo que sugerir que a pessoa vá fazer a sua confissão. De modo
nenhum. Temos que descobrir a origem daquela neurose. Nestes casos não adianta
perguntar a pessoa qual a causa porque ela não sabe e também não adianta logo
tentarmos avançar para uma causa e sugerir uma solução. Temos que saber a
origem daquela neurose com certeza.
A mente humana, a psique humana, tem três estados
assim como a matéria apresenta-se em três estados: sólido, líquido e gasoso. Ou
seja, terra, água, ar. Porém, falta o elemento fogo. Tem que haver um estado
ígneo.
Os três estados da alma humana são: 1)
vigília/consciência; 2) sono; 3) sonho. Se a neurose é uma mentira esquecida
onde é que ficam as coisas esquecidas? Na consciência ou no inconsciente? Tem
que ser no inconsciente. Como vamos penetrar no inconsciente? Por meio da visão
ou do sonho. Pode ser que haja outros canais mas queremos nos ater aos que
mencionamos. A palavra visão vem de telestata
que quer dizer manifestação divinamente agendada. A visão ocorre em estado de
vigília. Nem todos têm visão. Mas todos têm sonhos. Todo homem sonha. O sonhar
é próprio do homem.
Então, por meio da análise dos sonhos do neurótico
saberemos qual é a origem da sua neurose. Se é uma origem religiosa ou se
outra. Se é o complexo de Caim ou complexo de Édipo ou se outra origem.
A análise dos sonhos não se avizinha tarefa fácil. Principalmente
se queremos fazer uma análise do sonho fiados apenas na luz natural da razão.
Existe uma outra forma de interpretação de sonhos que é um individuo que tem o
carisma profético ou um individuo que é algum tipo de místico que vai
interpretar para você o seu sonho como temos casos desses na bíblia quando
lemos as histórias de José do Egipto e também o do profeta Daniel. Porém, há
sonhos que não precisam de interpretação como aqueles que José, marido de Maria,
os teve.
Os sonhos também podem ser interpretados por métodos
naturais como o fazem os psicanalistas como Freud, Jung e outros mas, neste
caso em que interpretamos os sonhos com recurso á luz natural da razão os
cuidados devem ser redobrados para não se chegar a conclusões precipitadas e,
por conseguinte, erradas. É preciso reunir uma amostra representativa de sonhos
do paciente antes de se proceder a análise para além da exigência de um
conhecimento simbólico bastante amplo e profundo porque os sonhos nos são dados
em forma simbólica. O que é um símbolo? É uma matriz de intelecções possíveis
(Susan K. Langer). Portanto, quanto maior o mundo de símbolos de que o
psicanalista tiver domínio melhor para o resultado final que se vai ter, o qual,
por estatística, será, sem dúvida alguma, mais provável.
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