R.Guenón diz que
a personalidade, o “si”, é o fundamento do ser, portanto, imutável. Segundo ele,
o que há de mutável no ser humano é a individualidade, o “eu”. Zubiri não
aceita essa interpretação e diz que o que é imutável no ser humano é a sua
personeidade, o “si”, e que a personalidade é o “eu” e é mutável. A posição de
Zubiri está correcta e é corroborada pela teoria das mónadas de Leibnitz.
O termo personalidade vem de pessoa que, por sua vez,
vem de persona que quer dizer
máscara. A origem desse termo remonta as artes cénicas. Um mesmo actor podia
subir ao palco diversas vezes ao longo do decurso da exibição de uma peça para
representar diversas personagens.
A nossa vida é igual ao teatro. Na verdade, ela é um
grande palco onde todos os dias exibimos ou representamos vários actos da mesma
peça. Pode ser uma tragédia, pode ser uma comédia, mas na maior parte das vezes
tem sido um drama. O drama é a própria existência humana.
Esse género literário, o drama, difere-se dos outros
nos seguintes aspectos: enquanto na tragédia o personagem não tem culpa, no
drama, o personagem tem culpa por tudo o que de mal lhe sucede. Na tragédia as
coisas terminam bem mas no drama terminam mal. Examinemos, agora, a comédia.
Quando penso nesse género literário, a primeira imagem que me aflora a mente é
a da divina comédia de Dante. Naquela obra magnífica, Dante narra em tom
poético sua descida ao inferno durante a qual ele sempre viu-se guiado pelo seu
mestre Virgílio. Este o guiou não apenas ao longo da sua trajectória, da sua
jornada, ao longo do inferno mas também ao longo do purgatório. Quando Dante é
levado ao paraíso, ele tem um novo guia. Este já não é mais seu mestre Virgílio
mas a sua amada Beatriz.
Podemos de acordo com alguns interpretes da Divina
Comédia interpretar Virgílio e Beatriz como dois pólos da mente humana, sendo
Virgílio o símbolo da racionalidade e Beatriz da afectividade, do pathos.
Para além dessa obra temos também a Comédia humana
de Honoré de Balzac. Não importa se uma é uma comédia divina e outra uma comédia
humana porque a comédia humana vai sempre repetir em escala menor a comédia
divina porque tudo o que acontece no plano da humanidade expressa uma participação
(metexis) dessa na divindade. Essa participação
não é perfeita mas perfectiva porque o homem pode aperfeiçoar-se sempre, na
verdade, o homem tende a perfeição e todo seu esforço aqui debaixo do sol devia
ser mobilizado para a realização dessa timesis
parabólica por meio da qual o homem tende sempre a buscar re-ligar-se com
aquilo que lhe é superior, com aquilo que o transcende.
O que transcende o homem não é o imperfeito,
portanto, o mal não é transcendente ao homem. O que transcende o homem é sempre
o bem, o bem supremo, que é o Deus das religiões. O mal é infra-humano. E deve
o homem sempre anelar esse bem sempre que sua vontade não encontra-se viciada
pela ignorância, mas fortalecida, orientada pelo entendimento e por um querer
bem a si mesmo e ao seu próximo, que é a verdadeira caridade, o ágape dos
pitagóricos.
Em artigos futuros vamos aprofundar a nossa reflexão
em torno da comédia. Nos cinemas, a comédia tem sido exposta, exibida, como uma
ficção cuja finalidade, teleologicamente considerada, é fazer rir as pessoas.
Porém, quando examinamos a Divina Comédia de Dante não vemos nela nada que nos
provoque algum impulso para o riso mas algo que provoca em nós um temor ao
passar pelo inferno, uma esperança ao passar pelo purgatório e uma felicidade redentora
ao passar pelo paraíso de modo que negamos essa versão popularizada da comédia como
algo que provoca riso e acusamo-la de superficialidade.
Todos temos uma personalidade. Podemos ter uma ou várias
personalidades. Na verdade, não é que temos várias personalidades, mas apenas
várias camadas de personalidade. O.de.Carvalho fala em doze camadas de
personalidade. Ora, o modo como um homem lida com a sua esposa não é o mesmo
como ele lida com os seus filhos e não é o mesmo modo de lidar com seu patrão,
com seus amigos, com seus vizinhos. Neste caso, dizemos que esse homem está
representando vários papéis. Ele representa o papel de pai, de esposo, de
amigo, etc. Porém, se é o John que está a fazer isso, ele, no entanto, não
deixa de ser o John. Algo nele permanece imutável a despeito de todos esses papéis
sociais que ele representa.
A esse algo que muda no John, Xavier Zubiri chama de
personalidade enquanto Guenón chama de individualidade. E aquele algo que não
muda no John, Zubiri chama de personeidade enquanto Guenón chama de
personalidade. Ou seja, para Guenón a personalidade é imutável e para Zubiri é
mutável. O erro de Guenón é tomar o “eu” como individualidade. Ora, não é
preciso ser um gramático para saber que “eu” é um pronome pessoal. Portanto, a
distinção que Guenón faz do “si” e do “eu” não procede, ou seja, o “si” não é
personalidade mas sim personeidade de Zubiri, a mónada de Leibnitz, a individualidade
enquanto o “eu” é personalidade.
Olavo de Carvalho fala do carácter como forma pura
de personalidade. Então, esse carácter é a personeidade, é a individualidade, é
a substância individual ou seja a mônada porque se ele é a forma pura e não
espúria da personalidade é porque ela é simples na sua subsistência. Ou seja,
ela não é composta porque se fosse composta seria mutável pela desagregação de
suas partes que a levaria, por conseguinte, a corrupção, pondo fim a aquele
ente.
A personeidade não é composta. Ela é simples, porém,
a sua simplicidade, é uma simplicidade que admite graus. A simplicidade no ser
humano admite graus. Há graus de simplicidade. Temos aqueles indivíduos que são
mais simples e aqueles que são menos simples, porém, somente Deus, o ser
supremo, tem o grau máximo de simplicidade. Ele é absolutamente simples.
Nossa simplicidade tem uma forma. Portanto, ela é
formada de algum modo pela superposição de várias camadas que a constituem. E
essa aglutinação dessas camadas de personalidade no ser humano podem ter uma
unidade coerencial que dê a personalidade uma estrutura tectónica única ou pode
ser apenas a soma de suas partes.
O carácter é aquilo que nos é impresso na alma, na psique, na mente pelos factores
externos, assim diziam os beaviouristas. Contudo, se há factores
predispondentes na fonte-origem do carácter, o que não pretendemos negar,
queremos contudo esclarecer que a acção desses factores não se dá na formação
da personalidade permanente do ser humano que é a personeidade zubiriana, senão
proprocionada aos factores emergentes dessa personeidade. Então, há um vector
de factores predisponentes da estrutura da personeidade, porém, essa estrutura
tectónica da personeidade já dispõe de factores estruturais que hilectica e
eideticamente vão emergir para formar a sua tectónica e isso, nós queremos de
viva voz, afirmar porque reconhecemos haver nessa afirmação teticidade.
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