"A essência de uma coisa é aquilo
em que ela se torna".
------HegelNão podemos nos esquecer de que Hegel é um dialéctico. A dialéctica de Hegel é uma lógica polivalente ou trivalente porque ela se efectua em três etapas: tese, antítese e síntese.(1)
Para Hegel, a tese se transforma em
antítese e a antítese se transforma em síntese. Se a essência de alguma coisa é
aquilo em que ela se torna, vindo de Hegel essa sentença, somos levados a
concluir que uma coisa só pode, dialeticamente, tornar-se no seu contrário.
Partindo dessa conclusão, a essência da
vida seria a morte e a essencia da morte seria a vida. A essência do bem seria
o mal e a essência do mal seria o bem e assim por diante.
Se a essência de alguma coisa é aquilo
em que ela se torna, então, essa coisa antes de se tornar em uma outra coisa,
ela não é essencialmente essa coisa mas apenas existencialmente, o que significaria
afirmar que a existência precede a essência, o que não é de todo absurdo.
Porém, a existência somente precede a essência gnoseologicamente e não
ontologicamente.
Que a existência precede a essência é
uma tese defendida pelos existencialistas ateus como o Jean Paul Sartre e tutti quanti. Os existencialistas ateus
defendem com unhas e dentes a tese de que a existência precede a essência. O
erro dos existencialistas é defender a validade ontológica da sua tese e não
apenas a validade gnoseológica, o que não
passa de um show de burrice e um ataque alucinado contra a metafísica no
sentido de Aristóteles ou, se quiser, a sua filosofia da física. Isso é um
ataque a própria racionalidade humana.
Qualquer indivíduo doptado de inteligência
sabe que a essência tem, formalmente, prioridade sobre a existência. A existência
vem de ex,que quer dizer fora, e sistere, que quer dizer situar-se, de
modo que existir é situar-se fora de si, é dar-se fora de suas causas. Se há um
situar-se fora de si, um ex sistere,
tem que necessariamente haver um in
sistere, um situar-se dentro de si. E esse situar-se dentro de si, em si,
Zubiri chama de personeidade. É a mônada de Leibnitz, é a essência imutável do
ser.
Não queremos com isso afastarmo-nos da
realidade para fundarmos o nosso filosofar apenas na mente, o que nos levaria
ao ficcionalismo, a entes ficcionais, os quais há apenas na mente de quem os ficcionaliza.
O nosso modo de filosofar funda-se na realidade. O termo “realidade” vem de res, que significa coisa, não
importando ser ele uma res extensa
ou uma res cogitans conforme a
classificação de Descartes.
Quando o estagirita diz que o
conhecimento começa nos sentidos isso não significa que temos que ficar de cal
e pedra nos sentidos, fazer um finca-pé nos sentidos. Começar nos sentidos
significa apenas que os sentidos são o princípio do conhecimento, porém,
princípio não significa fundamento. Não negamos que o conhecimento começa nos sentidos,
se tem seu princípio nos sentidos, porém, negamos que ele se funda nos
sentidos.
Mais ainda, quando dizemos que o
conhecimento começa nos sentidos, não queremos dizer que os sentidos dão o ser
ao conhecimento como se eles fossem a causa eficiente, formal, material ou
final do conhecimento. Mas é um princípio no sentido em que o ponto é o princípio
da linha, a linha é o princípio da superfície, do plano, e o plano é o princípio
do cubo (2). Aliás, este é o único sentido de princípio que existe.
Portanto, princípio não tem, aqui, o
sentido de logos, lex, paradigmata, ratio, porque, então, os sentidos seriam um ser ab aeterno sed non assemetipsum
como os entes de razão, o que é um absurdo porque os sentidos são objectos
da nossa experiência e não entes de razão.
S.Tomás diz que raciocinar é partir do
conhecimento do conhecido para o conhecimento do desconhecido, sucede que o fundamento
de um conhecimento Xt seria um conhecimento anterior Xt-1. Porém, o
conhecimento tomado assim é apenas o conhecimento que cabe no âmbito da praxis, é um conhecimento prático, o
qual procura chegar ao conhecimento do certo (conveniente) e do errado (inconveniente)
que é próprio do núcleo axio-antropológico. Porém, o conhecimento tomado
especulativamente não pode ter seu fundamento num conhecimento anterior mas
buscando alcançar os juízos de veracidade e falsidade, ele se funda no imutável.
O imutável cabe ao campo da axiomática,
das verdades per se notas, que são
aquelas que alcançamos na mathesis
por meio da contemplatio sapientiae,
a contemplação da sabedoria. A contemplação divide-se em especulativa e
intuitiva. Especulativamente, a contemplação é discursiva porque ela é feita
com recurso ao raciocínio, o qual requer, por definição, a presença de um termo
médio. Intuitivamente, a contemplação nos remete a um conhecimento directo, sem
termo médio. Porém, há um termo médio, mas não o termo médio tomado formalmente
da lógica, mas o termo médio que dá a unidade cósmica, a ordem cósmica, o qual
é o logos analogante.
Creio com isso ter demonstrado a
absurdidade da máxima de Hegel de que a essência de alguma coisa é aquilo em
que ela se torna, demonstrando assim que a concepção existencialista não tem
procedência, não apenas por ser uma inversão da metafísica, o que não constituiria
problema algum pois a metafísica de Aristóteles é uma inversão da metafísica de
Platão. O grande problema dos existencialistas ateus é a negação do ser, a
negação da inteligência, a negação da consciência. Porém, ao afirmarem o nada,
esses senhores não se dão conta que caem no contraditório, pois se o ser não há,
nenhuma afirmação seria possível porque a afirmação é positividade e portanto,
toda afirmação afirma a adsência do ser.
Notas:
(1)
A dialéctica de Hegel é diferente da de
Pedro Abelardo. Por outras palavras, enquanto a dialéctica de Hegel é uma
lógica polivalente, a dialéctica de Abelardo é uma lógica bivalente.
(2)
A transição da linha para o plano faz-se
por meio da integral simples e a transição do plano para o cubo faz-se por meio
da integral dupla.
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