quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Breves considerações sobre a filosofia

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As citações são uma demonstração de força quando entramos no campo da erudição. Porém, filosoficamente elas podem ter pouco valor pois a autoridade em filosofia é a demonstração e não o argumentum autoritatis, e na ciência é a mesma coisa, a única autoridade é a observação e a experimentação.


Quando comecei a dedicar-me a uma leitura mais devotada, mais intensa, das obras do Mário Ferreira dos Santos, comecei a notar que, no exercício da minha escrita comecaram a diminuir o volume de citações que caracterizavam meus escritos anteriores.

Quando eu comecei a interessar-me pela filosofia, mas não a filosofia no sentido escolar do termo, mas no sentido em que Sócrates entendia a filosofia que era uma busca da sabedoria como actividade auto-consciente porque isso não havia em muitos que o precederam, me lembro de ter gravado no celular um áudio sobre o drama social do linchamento. Nesse áudio baseado quer no livro de René Girard, quer no mito da ânfora de Pandora, me lembro de tê-lo compartilhado com um amigo meu chamado Sixpenze. Depois que ele escutou, apesar dos elogios, me lembro de ter mostrado para ele a minha insatisfação pela quantidade exageradamente enorme de citações que eu havia feito.

Fazer citações não é mau. Aliás, eu acho que não é nem bom nem mau. As citações servem para mostrar que o que estamos dizendo já foi antes de nós dito por outros e que, portanto, o que estamos dizendo não constitui nenhuma novidade. As citações são uma demonstração de força quando entramos no campo da erudição. Porém, filosoficamente elas podem ter pouco valor pois a autoridade em filosofia é a demonstração e não o argumentum autoritatis, na ciência, idem.

Em literatura, dizemos que para alguém se tornar um bom escritor tem que ler no mínimo mil livros. Se isso vale em literatura não podemos dizer o mesmo em filosofia. A filosofia é a busca da sabedoria. Assim, o mais importante na filosofia é saber como buscar a sabedoria. Isso significa, sem dúvida alguma, ter o conhecimento e o domínio do método filosófico.

Na verdade, ter o domínio do método filosófico é muito mais útil, útil não no sentido económico do termo, evidentemente, mas no sentido daquilo que é proveitoso, do que decorar o pensamento de todos os filósofos do mundo, o que é impossível porque não os conhecemos a todos e não temos tempo.

Não quero com isso dizer ou negar a validade de termos uma vasta cultura literária e filosófica. De modo nenhum. Ébastante proveitoso ler e conhecer os grandes clássicos da filosofia, porém, isso não fará de nós filósofos mas apenas indivíduos que têm cultura filosófica. Isso não entra em contradição com a afirmação de Aristóteles de que a filosofia começa com a aquisição da ideia dos sábios. Porém, não podemos confundir isso com a causa da filosofia que é o de que estamos tratando aqui. Como eu já havia dito, temos que adquirir cultura filosófica, ou seja, adquirir a ideia dos sábios, temos que ter aquele espanto de que falou Platão, enfim, temos que ter tudo isso, porém, se não conhecermos o caminho que nos conduzirá até ao bem mais amado de nosso intelecto que é a sabedoria, de nada nos valerá ter lido tanto, ter adquirido tanta cultura filosófica, o que será para nós, apenasmente, um adorno e não teremos sido nada mais do que apenas meros diletantes como diria Ortega y Gasset, tendo nos divertido apenas com a filosofia, tendo feito dela apenas o nosso passa tempo e quiçá um meio de ascensão social.

Lendo Mário Ferreira dos Santos, descobri que a erudição é uma cultura de fichário. O homem perfeito, o teleiotes dos pitagóricos ou o spoudaios de Aristóteles, não deve ter uma cultura de fichário. A palavra homem, na sua raiz sânscrita, quer dizer aquele que valora. Atribuir valor é fazer arte e fazer arte é criar, de modo que o homem deve ser um artista, um criador, e não apenas um consumidor de produtos acabados, o que seria uma confissão de impotência. Porém, para criar, o homem tem que aprender a criar. São de Kant as palavras seguintes: “não devemos ensinar a filsofia mas sim a filosofar” e é isso que queremos dizer quando afirmamos que ter o domínio do método filosófico é mais útil e mais conveniente a educação do nous, do espírito humano, do que conhecer de cor e salteado toda literatura filosófica de todos os povos, em todos os ciclos culturais, mesmo que isso fosse possível.

Com Mário tenho aprendido o caminho e tenho começado a dar os primeiros passos nele. São ainda passos cambaleantes. Os meus joelhos ainda estão trémulos, porém, sinto-me animado a prosseguir porque outros antes de mim tiveram o mesmo início e aqueles que não desistiram mas souberam guardar a sua perseverança colheram os bons frutos da sua empreitada. Sabemos que os caminhos são sinuosos, sabemos que as dificuldades são imensas, porém, sabemos que essa jornada rumo a sabedoria não é fácil e é por isso que ela clama por heróis e não por saltimbancos pois é uma epopeia.

Sabemos que a palavra filosofia deve a Pitágoras a sua criação. Entendendo a indissolúvel relação que se estabelece desde os primórdios da filosofia entre esta e a geometria ganhamos maior clareza sobre o caminho a seguir. Colocou Platão na entrada da sua academia o seguinte dizer: não entre aqui se não for geómetra. Esse epíteto, buscou ele dos pitagóricos. Aliás, era também Platão, ele mesmo, um pitagórico.

Essa máxima pitagórica não quer dizer exactamente que para sermos filósofos temos primeiro que ser geómetras. De modo nenhum. Para os pitagóricos, a geometria não era apenasmente uma ciência da medição mas a própria arte, ou seja, a arte por excelência da demonstração, de modo que quando os pitagóricos exortavam que somente os geómetras adentrassem os seus institutos, as suas academias, eles queriam com isso dizer que a condição para se ser filósofo é ter o domínio da suprema arte da demonstração, sendo esta o diferencial entre a filosofia grega e a filosofia de outros povos. Enquanto a filsofia dos outros povos era apenas mente de carácter expositiva, os gregos procuram demonstrar a sua tese.

A demonstração requer, antes de tudo, que se entenda a dialéctica porque a dialéctica é o método filosófico. A palavra método quer dizer caminho e a dialéctica é o caminho que temos que seguir para alcançar a sabedoria. Porém, embora conheçamos o caminho, não devemos, contudo, percorrê-lo de modo desordenado mas seguindo determinadas regras, de modo a não nos afastarmos dele. Esse caminho deve ser seguido com rigor, o mesmo rigor das demonstrações filosóficas. É aqui que fazemos a articulação da demonstração com a dialéctica. Defendemos assim uma dialéctica bem fundada, uma dialéctica rigorosa.

A dialéctica é a arte de argumentar e convencer. É claro que esse conceito de dialéctica é muito amplo porque ele acaba englobando a retórica. Entretanto, temos que ter cuidado para não confundirmos a dialéctica com a retórica. A dialéctica está acima da retórica. Não obstante, não devemos também cair no erro de confundir a dialéctica com uma mera argumentação. Não devemos argumentar só por argumentar. O argumento válido em filosofia é aquele que se funda em teses apoditicamente demonstradas no sentido de Kant, de modo que antes de argumentar é necessário demonstrar a necessidade, a apoditicidade, da tese em nome da qual se vai argumentar porque a grande crise de que padece a filosofia com a entrada da modernidade com René Descartes até os dias actuais deve-se ao triste facto dos que se afanavam a fazer filosofia terem-se afastado de teses apoditicamente demonstradas, de juízos necessários, e terem se apoiado em juízos duvidosos e hipotéticos, daí que embora tendo havido lampejos de genialidade aqui e ali não podemos negar que na sua maioria, mesmo os maiores vultos da filosofia moderna pecaram. Por não terem partido de juízos necessários e se possível exclusivos, seu modo de filosofar, a filosofia que eles construíram, não passava de meras asserções. Deste modo, eles transformaram a filosofia em estética, de modo que esses senhores não são filósofos, eles são estetas, eles são filódoxos, ou seja, amantes de opinião.   

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