As citações são uma demonstração de força quando entramos no campo
da erudição. Porém, filosoficamente elas podem ter pouco valor pois a
autoridade em filosofia é a demonstração e não o argumentum autoritatis, e na ciência é a mesma coisa, a única
autoridade é a observação e a experimentação.
Quando comecei
a dedicar-me a uma leitura mais devotada, mais intensa, das obras do Mário
Ferreira dos Santos, comecei a notar que, no exercício da minha escrita
comecaram a diminuir o volume de citações que caracterizavam meus escritos
anteriores.
Quando eu
comecei a interessar-me pela filosofia, mas não a filosofia no sentido escolar
do termo, mas no sentido em que Sócrates entendia a filosofia que era uma busca
da sabedoria como actividade auto-consciente porque isso não havia em muitos
que o precederam, me lembro de ter gravado no celular um áudio sobre o drama
social do linchamento. Nesse áudio baseado quer no livro de René Girard, quer
no mito da ânfora de Pandora, me lembro de tê-lo compartilhado com um amigo meu
chamado Sixpenze. Depois que ele escutou, apesar dos elogios, me lembro de ter
mostrado para ele a minha insatisfação pela quantidade exageradamente enorme de
citações que eu havia feito.
Fazer citações
não é mau. Aliás, eu acho que não é nem bom nem mau. As citações servem para
mostrar que o que estamos dizendo já foi antes de nós dito por outros e que,
portanto, o que estamos dizendo não constitui nenhuma novidade. As citações são
uma demonstração de força quando entramos no campo da erudição. Porém,
filosoficamente elas podem ter pouco valor pois a autoridade em filosofia é a
demonstração e não o argumentum
autoritatis, na ciência, idem.
Em literatura,
dizemos que para alguém se tornar um bom escritor tem que ler no mínimo mil
livros. Se isso vale em literatura não podemos dizer o mesmo em filosofia. A
filosofia é a busca da sabedoria. Assim, o mais importante na filosofia é saber
como buscar a sabedoria. Isso significa, sem dúvida alguma, ter o conhecimento
e o domínio do método filosófico.
Na verdade,
ter o domínio do método filosófico é muito mais útil, útil não no sentido económico
do termo, evidentemente, mas no sentido daquilo que é proveitoso, do que decorar
o pensamento de todos os filósofos do mundo, o que é impossível porque não os
conhecemos a todos e não temos tempo.
Não quero com
isso dizer ou negar a validade de termos uma vasta cultura literária e filosófica.
De modo nenhum. Ébastante proveitoso ler e conhecer os grandes clássicos da
filosofia, porém, isso não fará de nós filósofos mas apenas indivíduos que têm
cultura filosófica. Isso não entra em contradição com a afirmação de
Aristóteles de que a filosofia começa com a aquisição da ideia dos sábios.
Porém, não podemos confundir isso com a causa da filosofia que é o de que estamos
tratando aqui. Como eu já havia dito, temos que adquirir cultura filosófica, ou
seja, adquirir a ideia dos sábios, temos que ter aquele espanto de que falou
Platão, enfim, temos que ter tudo isso, porém, se não conhecermos o caminho que
nos conduzirá até ao bem mais amado de nosso intelecto que é a sabedoria, de
nada nos valerá ter lido tanto, ter adquirido tanta cultura filosófica, o que
será para nós, apenasmente, um adorno e não teremos sido nada mais do que
apenas meros diletantes como diria Ortega y Gasset, tendo nos divertido apenas
com a filosofia, tendo feito dela apenas o nosso passa tempo e quiçá um meio de
ascensão social.
Lendo Mário
Ferreira dos Santos, descobri que a erudição é uma cultura de fichário. O homem
perfeito, o teleiotes dos
pitagóricos ou o spoudaios de
Aristóteles, não deve ter uma cultura de fichário. A palavra homem, na sua raiz
sânscrita, quer dizer aquele que valora. Atribuir valor é fazer arte e fazer
arte é criar, de modo que o homem deve ser um artista, um criador, e não apenas
um consumidor de produtos acabados, o que seria uma confissão de impotência.
Porém, para criar, o homem tem que aprender a criar. São de Kant as palavras
seguintes: “não devemos ensinar a filsofia mas sim a filosofar” e é isso que
queremos dizer quando afirmamos que ter o domínio do método filosófico é mais
útil e mais conveniente a educação do nous,
do espírito humano, do que conhecer de cor e salteado toda literatura filosófica
de todos os povos, em todos os ciclos culturais, mesmo que isso fosse possível.
Com Mário
tenho aprendido o caminho e tenho começado a dar os primeiros passos nele. São
ainda passos cambaleantes. Os meus joelhos ainda estão trémulos, porém,
sinto-me animado a prosseguir porque outros antes de mim tiveram o mesmo início
e aqueles que não desistiram mas souberam guardar a sua perseverança colheram
os bons frutos da sua empreitada. Sabemos que os caminhos são sinuosos, sabemos
que as dificuldades são imensas, porém, sabemos que essa jornada rumo a sabedoria
não é fácil e é por isso que ela clama por heróis e não por saltimbancos pois é
uma epopeia.
Sabemos que a
palavra filosofia deve a Pitágoras a sua criação. Entendendo a indissolúvel
relação que se estabelece desde os primórdios da filosofia entre esta e a
geometria ganhamos maior clareza sobre o caminho a seguir. Colocou Platão na
entrada da sua academia o seguinte dizer: não entre aqui se não for geómetra. Esse
epíteto, buscou ele dos pitagóricos. Aliás, era também Platão, ele mesmo, um
pitagórico.
Essa máxima
pitagórica não quer dizer exactamente que para sermos filósofos temos primeiro
que ser geómetras. De modo nenhum. Para os pitagóricos, a geometria não era
apenasmente uma ciência da medição mas a própria arte, ou seja, a arte por
excelência da demonstração, de modo que quando os pitagóricos exortavam que
somente os geómetras adentrassem os seus institutos, as suas academias, eles
queriam com isso dizer que a condição para se ser filósofo é ter o domínio da
suprema arte da demonstração, sendo esta o diferencial entre a filosofia grega
e a filosofia de outros povos. Enquanto a filsofia dos outros povos era apenas
mente de carácter expositiva, os gregos procuram demonstrar a sua tese.
A demonstração
requer, antes de tudo, que se entenda a dialéctica porque a dialéctica é o
método filosófico. A palavra método quer dizer caminho e a dialéctica é o caminho
que temos que seguir para alcançar a sabedoria. Porém, embora conheçamos o
caminho, não devemos, contudo, percorrê-lo de modo desordenado mas seguindo
determinadas regras, de modo a não nos afastarmos dele. Esse caminho deve ser
seguido com rigor, o mesmo rigor das demonstrações filosóficas. É aqui que
fazemos a articulação da demonstração com a dialéctica. Defendemos assim uma dialéctica
bem fundada, uma dialéctica rigorosa.
A dialéctica é
a arte de argumentar e convencer. É claro que esse conceito de dialéctica é
muito amplo porque ele acaba englobando a retórica. Entretanto, temos que ter
cuidado para não confundirmos a dialéctica com a retórica. A dialéctica está
acima da retórica. Não obstante, não devemos também cair no erro de confundir a
dialéctica com uma mera argumentação. Não devemos argumentar só por argumentar.
O argumento válido em filosofia é aquele que se funda em teses apoditicamente
demonstradas no sentido de Kant, de modo que antes de argumentar é necessário
demonstrar a necessidade, a apoditicidade, da tese em nome da qual se vai
argumentar porque a grande crise de que padece a filosofia com a entrada da
modernidade com René Descartes até os dias actuais deve-se ao triste facto dos
que se afanavam a fazer filosofia terem-se afastado de teses apoditicamente
demonstradas, de juízos necessários, e terem se apoiado em juízos duvidosos e
hipotéticos, daí que embora tendo havido lampejos de genialidade aqui e ali não
podemos negar que na sua maioria, mesmo os maiores vultos da filosofia moderna
pecaram. Por não terem partido de juízos necessários e se possível exclusivos,
seu modo de filosofar, a filosofia que eles construíram, não passava de meras
asserções. Deste modo, eles transformaram a filosofia em estética, de modo que
esses senhores não são filósofos, eles são estetas, eles são filódoxos, ou
seja, amantes de opinião.
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